A Contaminação do Patrimônio por Dívidas Trabalhistas

A limitação de responsabilidade do empreendedor data de séculos atrás.  Apesar de alguma forma de limitação já ter ocorrido de antes disso, muitos apontam a sua gênesis à época das grandes expedições marítimas do século XVII.  O financiamento das expedições de comércio exterior e de colonização exigia um altíssimo investimento do Estado, expondo-o a um risco ainda maior de insucesso nas missões.  Assim, por iniciativa de grupos de comerciantes, os Estados passaram a incentivar a participação de investidores privados, concedendo-lhes a autorização para comerciar e colonizar em diferentes partes do Mundo, em entidades que agregavam esses investimentos.

Surgiam as Companhias das Índias, que tinham sua propriedade já divida em ações e, mais importante ainda, a responsabilidade limitada dos acionistas ao montante do capital representado pelas ações de sua propriedade.  Com isso, incentivou-se os comerciantes privados a destacar parcela de seu patrimônio para investir nas perigosas missões, sem pôr em risco o restante das suas riquezas.  Desta forma, empreendedores se dispuseram a investir e impulsionaram as grandes expedições marítimas e a colonização pelas nações europeias.

Essa breve análise histórica é válida para que se tenha a real importância, desde o seu nascimento, da limitação da responsabilidade empresarial.  Ela se tornou instrumento extraordinário de fomento ao empreendedorismo já séculos atrás e assim ainda o é até os dias atuais.  No mundo moderno, a limitação de responsabilidade é tida como regra.  Não se imagina existir muitos empreendedores dispostos a arriscar tudo o que têm a cada negócio que desenvolverem.

Adiantamo-nos alguns séculos no tempo e, por mais incrível que pareça, essa não é a realidade para o empreendedor no Brasil.  Por aqui, no que se refere às relações trabalhistas, pode-se dizer que, na prática, inexiste a limitação de responsabilidade do empreendedor em seus negócios.  Através de diversas distorções, como o uso indiscriminado do instituto da desconsideração da personalidade jurídica (que deveria ter sua aplicação restrita aos casos de abuso ou fraude no uso da pessoa jurídica) e a consolidação de um conceito amplíssimo de grupo econômico (que, em conjunto com a desconsideração, ameaça até mesmo entidades e pessoas que nada têm a ver com a relação de trabalho original), a Justiça do Trabalho basicamente afasta a limitação de responsabilidade em toda e qualquer situação em que haja uma demanda trabalhista.

Em outras palavras, o empreendedor no Brasil deve estar ciente de que, no que se refere aos passivos trabalhistas, ele responde com seu patrimônio pessoal às atividades que desenvolver.  Dependendo da situação, essa responsabilidade do sócio pode ser subsidiária à da empresa ou solidária (direta e concomitante).  Mas fato é que seu patrimônio irá, de uma forma ou de outra, responder pelas dívidas do negócio.  Pior ainda, é bastante comum que a Justiça do Trabalho busque também o patrimônio pessoal de indivíduos supostamente ligadas ao “grupo econômico”, mas que em nada participaram do negócio e muito menos da relação empregatícia.

Com todas essas distorções e a existência do sistema de penhora online, que dá ao Juiz do Trabalho a prerrogativa de bloquear contas bancárias diretamente no Banco Central do Brasil, não é incomum que indivíduos acordem um belo dia com suas contas correntes todas bloqueadas pela Justiça do Trabalho, muitas vezes sem ter sequer conhecimento do que se trata o assunto.

Por óbvio que este cenário de constante ameaça ao empresário em nada fomenta o empreendedorismo no Brasil.  Pelo contrário, a contaminação do patrimônio pessoal do empreendedor pelo insucesso do negócio é constantemente apontada como um dos principais motivos pelos quais não se investe em inovação no Brasil.  Resta ao empresário brasileiro buscar se proteger através de uma organização eficiente do seu patrimônio, dentro dos limites da lei.

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por Flavio Leoni

“Flávio destaca-se por suas sólidas habilidades de negociação e perspectiva negocial.” – Chambers & Partners

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