Portaria 11.956/2019 – aspectos controvertidos (parte 1)

A Portaria 11.956 de 27 de novembro de 2019, além de regular aspectos mais práticos ou técnicos das modalidades de transação previstas na MP 899/2019 (MP do Contribuinte Legal), trouxe algumas novidades que podem gerar alguma apreensão por parte dos contribuintes. Visando contribuir com o debate jurídico durante o período de Consulta Pública previsto na Portaria PGFN nº 11.959, apresentaremos, em duas partes, comentários com críticas construtivas à Portaria 11.956, apontando, aonde cabível, sugestões para seu aprimoramento.

Inicialmente, observe-se que a Portaria 11.956 estabelece limites mínimos para adoção das três modalidades de transação (por adesão e individual por iniciativa do contribuinte ou por iniciativa da PGFN) na cobrança da Dívida Ativa da União. 

As transações cujo valor consolidado for igual ou inferior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais) deverão ser necessariamente realizadas na modalidade de adesão, considerando-se “o somatório de todas as inscrições do devedor elegíveis à transação, observados os critérios do respectivo edital” (Art. 4º, §1º e §2º da Portaria). Já a transação individual somente é permitida para devedores que tenham débitos consolidados a partir de R$ 15 milhões de reais (Art. 32).

Surge aqui uma primeira indagação. Haverá situações em que o devedor possua débitos consolidados que superem o limite inferior de R$ 15 milhões, porém, parte de tais débitos encontra-se em “inscrições garantidas, parceladas ou suspensas por decisão judicial”, as quais podem deixar de ser incluídas nas modalidades de transação conforme previsto no §2º do artigo 15 da Portaria 11956. Em sendo excluídas tais inscrições, o valor consolidado poderá se tornar inferior a R$ 15 milhões. Nestes casos, o devedor estará apto a pleitear transação individual, ou estará limitado às transações por adesão? 

Entendemos que seria a primeira opção, já que a exigência contida no inciso I do artigo 32 da Portaria 11956 não excepciona as inscrições referidas no §2º do artigo 15 (ainda que, após superada a primeira etapa de qualificação para firmar transação individual, o valor final da base para a transação seja reduzido por força das exclusões aqui referidas).

Esta interpretação poderia ser tornada mais explícita no texto da Portaria 11.956, bastando por exemplo a inclusão de um parágrafo no Artigo 32, de seguinte redação:

“§1º – Para fim de apuração do limite mínimo de R$ 15.000.000,00 previsto no inciso I que permita a aplicação de transação individual, serão considerados também eventuais débitos do contribuinte que venham a ser posteriormente excluídos do acordo na forma do §2º do artigo 15”.

Outro ponto controvertido (que poderá vir a ser objeto dos debates durante o período de Consulta Pública previsto na Portaria PGFN nº 11.959) diz respeito à determinação da portaria de impor valores mínimos para que o contribuinte possa celebrar acordo individual com a PGFN (seja por iniciativa do próprio contribuinte, seja por iniciativa da Administração Pública). 

Tal limitação (que somente permitirá a contribuintes com débitos consolidados superiores a R$ 15 milhões de reais, ou débito singular cujo valor seja superior a R$ 1.000.000,00 e que esteja suspenso por decisão judicial ou garantido, apresentar propostas de transação individual à PGFN) poderá ser questionada por eventual contribuinte prejudicado. Isto porque a MP 899/2019, originalmente não traz qualquer limitação econômica para celebração de uma ou outra espécie de transação. 

Com efeito, os limites contidos na MP 899, em seu artigo 5º, §3º, referem-se à quantidade máxima de parcelas ou ao montante máximo de redução dos valores transacionados, sem estabelecer um patamar mínimo ao valor a ser transacionado. 

Já a previsão de “valores de alçada” contida no §2º do artigo 19, além de estar limitada às hipóteses de “transação de créditos tributários não judicializados no contencioso administrativo tributário”, não pode resultar em restrição que exclua determinados contribuintes em virtude de sua reduzida capacidade transacional, permitindo-lhes apenas a adesão a propostas coletivas, que em determinadas situações, poderão não lhes ser aplicáveis.

Visando mitigar esta exclusão dos pequenos devedores das modalidades de transação individual, propomos que seja previsto, para os débitos tributários sujeitos a cobrança da dívida ativa e que sejam considerados de baixo valor (isto é, valor consolidado dos débitos inferior a R$ 15.000.000,00 e/ou valor individual do débito inferior a R$ 1.000.000,00), a possibilidade de aplicação de proposta individual em modalidade simplificada, sem necessidade de apresentação do detalhado Plano de Recuperação Fiscal previsto no artigo 36 da Portaria 11.956, já que a exigência tal Plano somente faria sentido para contribuintes de grande porte com débitos de alto valor. 

Nesta linha, poderia ser incluído parágrafo no artigo 32 da Portaria 11.956, determinando que “Os devedores que possuam débitos consolidados em valores inferiores aos previstos nos incisos I e IV poderão apresentar proposta de transação individual simplificada, sem necessidade de apresentação do plano de recuperação fiscal previsto no artigo 36, na forma a ser prevista em regulamentação que tratará de transações de débitos tributários de baixo valor”.

Destacamos, ainda, algumas obrigações contidas na Portaria 11.956 que nos parecem excessivas e, em alguns casos, ilegais.

Inicialmente, a obrigação contida no inciso I do artigo 5º, de fornecer informações “sempre que solicitado” sobre sua situação econômica, pode resultar, em alguns casos, em ofensa ao sigilo bancário do contribuinte.

Do mesmo modo, a renúncia ampla exigida pelo inciso III do mesmo artigo 5º e no inciso V do artigo 28, incluindo ações coletivas, pode ser vista como restritiva ao acesso à Justiça, em ofensa ao artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal.

Outro ponto controverso é a exigência de “regularizar, no prazo de noventa dias, os débitos que vierem a ser inscritos em dívida ativa ou que se tornarem exigíveis após a formalização do acordo de transação”. Tal disposição pode se tornar uma verdadeira camisa-de-força para o contribuinte que, por ter firmado acordo de transação a respeito de débitos do passado, ficaria impossibilitado, por exemplo, de questionar determinadas cobranças que entenda indevidas, ficando sujeito à rescisão da transação por motivos alheios à sua vontade. 

Por exemplo, no caso de uma inscrição em dívida ativa, aonde o contribuinte que não concorde com a cobrança esteja dependendo de ação da PGFN (ajuizamento de execução fiscal) para apresentar embargos. Se a PGFN demorar mais do que noventa dias para praticar tal ato de sua exclusiva competência, o contribuinte seria injustamente penalizado em virtude de inação da PGFN, ou seria indiretamente forçado a efetuar o pagamento de valor com o qual não concorda, para não sofrer o ônus da rescisão da transação anteriormente pactuada.

Ainda na esfera dos aspectos questionáveis da nova Portaria 11.956, destaca-se o disposto em seu artigo 15, o qual veda a “adesão parcial” nas transações, as quais deverão “abranger todas as inscrições elegíveis do sujeito passivo”, com ressalva daquelas que estejam garantidas, parceladas ou suspensas por decisão judicial (estas seriam de inclusão facultativa pelo contribuinte). 

Esta exigência extrapola a determinação da MP 899, a qual apenas exige em seu artigo 14, §4º, que “a solicitação de adesão deverá abranger todos os litígios relacionados à tese objeto da transação, existentes na data do pedido, ainda que não definitivamente julgados” (grifos nossos)

Ora, pode haver situação em que determinado contribuinte, em dada proposta de transação por adesão, tenha intenção de transacionar a respeito de determinada tese, porém mantendo discussões judiciais a respeito de teses diversas (cujos respectivos débitos tributários, por qualquer motivo contingencial, não estejam, no momento da transação, com sua exigibilidade suspensa). De acordo com a Portaria 11.956, isto não será possível (o contribuinte terá que incluir todas as inscrições não suspensas, garantidas ou parceladas, seja qual for seu objeto ou a tese a elas vinculadas), enquanto a exigência emanada da MP é muito menos rigorosa (exige apenas a adesão relacionada à tese específica objeto de transação). 

Logo, neste aspecto, a Portaria é ilegal, ferindo os termos da própria MP 899, ao extrapolar o comando de seu artigo 14, §4º, criando limitação mais rigorosa do que aquela prevista no diploma legal, em ofensa aos Princípios da Legalidade e Hierarquia das Normas Jurídicas.

Continuaremos com esta série de breves notas, trazendo outros aspectos da Portaria 11.956 que mereçam comentários.

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