Breves comentários sobre a Medida Provisória nº 899/2019 (Contribuinte Legal)

Foi publicada, em 17 de outubro de 2019, a Medida Provisória n° 899/2019, a qual regula o seu artigo 171 do Código Tributário Nacional, que trata da transação tributária.

A presente iniciativa do Poder Executivo Federal terá aplicação apenas na esfera federal, e busca uma abrangência maior do que os anteriores “Refis”, tanto na esfera temporal (não há previsão de prazos finais) quanto do ponto de vista conceitual (ao criar novas modalidades de transação, inclusive para resolução de litígios judiciais referentes a “relevante e disseminada controvérsia jurídica”).

Com efeito, a MP 889, ao regular a “transação resolutiva de litígio”, trouxe, além da previsão de transação tributária análoga àquelas que estiveram previstas nos diversos programas de Recuperação Fiscal entre 2000 e 2018, também algumas modalidades diversas, conforme enumeração no artigo 2º da MP:

– Propostas individuais (por iniciativa do contribuinte devedor) ou por adesão, na cobrança da dívida ativa;

 – Adesão nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário, inclusive em situações de relevante e disseminada controvérsia jurídica;

 – Adesão em contencioso administrativo tributário de baixo valor.

A transação na cobrança de dívida ativa poderá ser proposta pela PGFN (de forma individual ou por adesão) ou por iniciativa do devedor, respeitados os critérios definidos na MP e em sua regulamentação. Poderá dispor sobre créditos que sejam classificados como irrecuperáveis ou de difícil recuperação, desde que inexistam indícios de esvaziamento patrimonial fraudulento. Estes créditos seriam aqueles do estoque da dívida ativa da União atualmente classificados nas classes “C” e “D” (respectivamente, “baixa perspectiva de recuperação” e “irrecuperáveis”) conforme Portaria 293/2017 do Ministério da Fazenda.

Não cabe remissão, ou seja, não será permitida a redução dos valores principais. Apenas valores referentes a multa e juros poderão ser reduzidos. Também não será possível transacional a respeito da chamada multa agravada, bem como em relação a multas de natureza penal.

A MP não contempla créditos relativos ao Simples Nacional, FGTS e débitos não inscritos em dívida ativa (exceto aqueles em contencioso administrativo tributário, em algumas hipóteses específicas). 

A proposta de transação poderá prever quitação em até oitenta e quatro meses (ou cem meses, para pessoa natural, microempresa ou empresa de pequeno porte) e redução de até 50% (70%, para PN, ME e EPP) do “valor total dos créditos a serem transacionados”. 

A transação somente poderá ser celebrada se constatada a existência, na data de publicação do edital, de ação judicial, embargos à execução fiscal ou recurso administrativo pendente de julgamento definitivo, relativamente à tese objeto da transação, e deverá abranger todos os litígios relacionados à tese objeto da transação existentes na data do pedido, ainda que não definitivamente julgados.

A transação por adesão não será possível naquelas hipóteses aonde a PGFN está dispensada de contestar, oferecer contrarrazões e interpor recursos, e autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante (art. 19 da Lei 10.522/2002), quando a jurisprudência for “integralmente desfavorável à Fazenda Nacional”. A ratio legis, neste caso, seria que a União não pode transacionar para receber valores que sabidamente não receberá por força de decisão judicial, ainda que não prolatada, que se adequará à jurisprudência que lhe é desfavorável.

Do mesmo modo, não é possível a transação por adesão naquelas situações previstas nos incisos V e VI do art. 19 da Lei 10.522/2002 (Resolução do Senado Federal, Súmula Vinculante, Repercussão Geral e Recursos Repetitivos) aonde a jurisprudência for em sentido integralmente favorável à Fazenda Nacional. 

Observe-se que as vedações acima referidas seriam para a “transação por adesão”. Portanto, em princípio não estaria vedada a transação sobre tais hipóteses, nos casos de transação individual por iniciativa do devedor.

Entendemos (em virtude da não referência ao inciso VII do art. 19 da Lei 10.522/2002 pelo artigo 15 da MP 899/2019, que trata das vedações acima detalhadas), que a transação sobre matéria que seja objeto de súmula da administração tributária não está proibida, e portanto poderá ocorrer transação sobre matéria tributária sumulada pelo CARF.

A transação será rescindida se ocorrer constatação de “ato tendente ao esvaziamento patrimonial do devedor como forma de fraudar o cumprimento da transação, ainda que realizado anteriormente à sua celebração”. Esta hipótese traz riscos ao contribuinte, que poderá optar por transacionar e depois poderá ser surpreendido pela alegação de que algum ato praticado em momento anterior à transação resultará em sua rescisão. 

A MP 899/2019 veio a ser regulamentada recentemente pela Portaria nº 11.956 de 27 de novembro de 2019. A referida portaria, se por um lado efetivamente regulamentou alguns aspectos importantes da MP 899 e esclareceu pontos que haviam restado obscuros na MP, por outro trouxe novas indagações e, mesmo, algumas determinações que podem ser consideradas ilegais ou inconstitucionais, conforme detalharemos em artigo a ser publicado em duas partes neste mesmo espaço nos próximos dias. 

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