Breves Apontamentos sobre os Aspectos Tributários da Reforma da Previdência

                Como amplamente noticiado, finalmente foi aprovado ontem (10/07/19), em primeira votação na Câmara dos Deputados, por 379 votos a favor e 131 votos contrários, o texto-base da Proposta de Emenda Constitucional 06/2019 (PEC 6/2019 – Reforma da Previdência), na redação dada pelo Substitutivo aprovado pela Comissão Especial de Previdência, a qual modificou substancialmente a proposta original apresentada pelo Poder Executivo. O texto ainda passará por obrigatório segundo turno de votação e pelo trâmite no Senado, podendo vir a sofrer novas alterações em virtude de votação de destaques em separado, porém, na sua forma atual já é um bom indicativo das regras que tendem a constituir o novo regramento da Previdência Social no Brasil.

               As questões referentes às mudanças das regras para aposentadoria (idade mínima, tempo de contribuição, regras especificadas para determinadas categorias profissionais, entre outras) estão sendo debatidas diariamente nos jornais e outros meios de comunicação, não entrando no escopo do presente artigo. Porém, alguns aspectos da reforma, em especial as questões previdenciárias de natureza eminentemente tributária, tem merecido menor destaque no noticiário, apesar de serem igualmente relevantes.

                Aproveitamos, portanto, a presente oportunidade para efetuar breve análise dos aspectos tributários da reforma previdenciária, ressalvando que, por se tratar de projeto ainda em tramitação, poderão ocorrer modificações no texto final em decorrência das quais poderemos efetuar atualizações à presente análise.

ALTERAÇÕES NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

                O artigo 40 da Constituição Federal (que trata do RPPS –  Regime Próprio de Previdência Social dos Servidores Públicos) passa a prever, pela nova redação de seu parágrafo 18º, a incidência de Contribuição Social sobre proventos de aposentadorias e pensões, inclusive de valores que superem um salário mínimo, desde que comprovado déficit atuarial do regime, na forma de lei complementar prevista no novo parágrafo 22º (que trará critérios gerais para definição das “normas gerais de organização, de funcionamento e de responsabilidade” do RPPS).

                A redação atual do §18º do artigo 40 já prevê a contribuição sobre proventos de aposentadorias e pensões que “superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social e que trata o art. 201”. A nova redação proposta pela reforma permitirá, em caso de déficit atuarial devidamente comprovado, o aumento de arrecadação através da ampliação do rol de benefícios tributáveis, incluindo aqueles que superem um salário mínimo (valor atual de R$ 998,00) mas que estão abaixo do teto previdenciário (atualmente definido em R$ 5.839,45 para 2019).

                O §1º do artigo 149 da Constituição Federal passa a prever a possibilidade de implantação de alíquotas progressivas para o RPPS:

Art. 149 (…) § 1º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, por meio de lei, para custeio de regime próprio de previdência social, cobradas do respectivo ente federativo, dos servidores ativos, dos aposentados e dos pensionistas, que poderão ter alíquotas progressivas de acordo com o valor da base de contribuição ou do benefício recebido.

                O projeto original previa de forma bastante detalhada a implantação de alíquotas diferenciadas e mais elevadas (chegando a 22%) para a contribuição dos servidores públicos, em comparação com a contribuição dos trabalhadores do regime privado. Tais alíquotas diferenciadas estariam previstas originalmente em novos parágrafos do artigo 149 da CF/88.

                O substitutivo aprovado pelo Relator da reforma e pela Comissão Especial eliminou, do texto constitucional, tal detalhamento, entretanto mantendo-o nas regras de transição (artigos 11 e 29 da PEC 6/19, comentados mais adiante).

                Do mesmo modo, o inciso II do artigo 195 da CF/88 receberá nova redação para permitir a adoção, pela Contribuição Social mediante recursos provenientes do trabalhador e demais segurados da previdência social, “podendo ser adotadas alíquotas progressivas ou escalonadas, de acordo com o valor do salário de contribuição.

                Conforme referido acima, os artigos 11 e 29 do texto-base da Reforma Previdenciária (na redação do substitutivo aprovado pela Comissão Especial) preveem, como regras de transição, a implementação de alíquotas diferenciadas e progressivas, tanto para a contribuição previdenciária do servidor público (inclusive aposentado ou pensionista) de que tratam os arts. 4º, 5º e 6º da Lei n° 10.887/2004, quanto para a contribuição de que trata a Lei n° 8.212/1991 devida pelo segurado empregado, inclusive o doméstico, e pelo trabalhador avulso.

                Passa a incidir alíquota base de 14% (quatorze por cento), que será reduzida ou majorada de acordo com os parâmetros previstos no mencionado artigo. A reforma busca, por meio de ajustes na tributação, mitigar a diferença entre os benefícios de aposentadoria concedidos aos servidores públicos e os benefícios dos trabalhadores da iniciativa privada, uma vez que os primeiros são, em regra, superiores aos últimos, contribuindo significativamente para o déficit previdenciário.

                Por este motivo, na busca de equalização de tal déficit, existe previsão para que um peso maior recaia sobre os trabalhadores oriundos do serviço público, que percebem benefícios superiores ao teto previdenciário dos trabalhadores do setor privado (já que, atualmente , para a iniciativa privada, existe teto máximo de R$ 5.839,45 para pagamento de benefícios).

                A reforma prevê, como regra de transição, um escalonamento na alíquota incidente sobre a contribuição devida pelos servidores públicos, conforme tabela abaixo. As alíquotas devidas pelos segurados empregados (inclusive doméstico) e pelo trabalhador avulso no Regime Geral de Previdência Social são igualmente alteradas (art. 34 da PEC), porém apenas até o limite de R$ 5.839,45 (Portaria ME nº 9 de 15/01/2019), uma vez que o regime não permite atualmente pagamento superior a este valor para os aposentados pelo RGPS.

De até Servidores públicos
(art. 14 PEC 6/19)
Iniciativa Privada
(art. 34 PEC 6/19)
R$ 0,00 R$ 998,00 (1 S.M.) 7,50% 7,50%
R$ 998,01 R$ 2.000,00 9,00% 9,00%
R$ 2.000,01 R$ 3.000,00 12,00% 12,00%
R$ 3.000,01 R$ 5.838,45 14,00% 14,00%
R$ 5.839,46 R$ 10.000,00 14,50% n/a
R$ 10.000,01 R$ 20.000,00 16,50% n/a
R$ 20.000,01 R$ 39.000,00 19,00% n/a
R$ 39.000,01 (sem limite) 22,00% n/a

                Verifica-se que a reforma reduz ligeiramente a menor alíquota atualmente aplicável sobre o salário de contribuição, de 8% para 7,5%, desonerando os trabalhadores com menor remuneração, ao mesmo tempo em que cria novas alíquotas de 12% e 14% (em substituição à alíquota máxima de 11% hoje vigente), tanto para os trabalhadores da iniciativa privada quanto para servidores públicos, além de criar alíquotas específicas de 14,5%, 16,5%, 19% e 22% para as faixas superiores dos benefícios pagos a servidores públicos que superam o teto aplicável aos trabalhadores da iniciativa privada.

                Já em relação aosservidores ativos, aposentados e pensionistas dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, o artigo 12 das regras de transição da Reforma (na redação do substitutivo aprovado em primeiro turno) determina a aplicação apenas da alíquota padrão de 14%, a partir da data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional e até que lei do respectivo ente federativo altere a alíquota de custeio do seu regime próprio de previdência social, se superior às alíquotas até então estabelecidas para os respectivos servidores.

                Em outra modificação relevante, foi incluído no artigo 195 da CF/88 o seguinte parágrafo, referente à Contribuição Social prevista no inciso I do artigo 195 (Contribuição Social do empregador, da empresa e entidade a ela equiparada na forma da lei):

§ 9º – As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas diferenciadas em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão de obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho, sendo também autorizadas a adoção de bases de cálculo diferenciadas apenas no caso das alíneas b e c do inciso I do caput.

                Tal dispositivo, além de permitir adoção de alíquotas diferenciadas nas hipóteses nele elencadas, prevê a possibilidade de base de cálculo diferenciadas para as Contribuições Sociais incidentes sobre receita ou faturamento (art. 195, I, “b”) e Contribuição Social sobre o Lucro (Art. 195, I, “c”), vedando entretanto tal flexibilidade no tocante à base de cálculo para as Contribuições Sociais sobre folha de salários e demais rendimentos do trabalho (Art. 195, I, “a”).

                Observe-se que, em virtude de alteração ocorrida na Comissão Especial, foi incluída a regra de transição destacada no artigo 31 da PEC /19, a qual determina que “O disposto no § 9° do art. 195 da Constituição Federal não se aplica à diferenciação ou à substituição de base de cálculo da contribuição de que trata o inciso I, “a”, do caput do art. 195 da Constituição Federal prevista na legislação vigente à data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional”.

                É incluído ainda, no artigo 195 da CF/88, o novo §11º, o qual expressamente veda a “moratória e o parcelamento em prazo superior a sessenta meses e, na forma de lei complementar, a remissão e a anistia das contribuições sociais de que tratam a alínea “a” do inciso I e o inciso II do caput”. Com isso, passa a ser vedada a inclusão das contribuições do artigo 195, incisos I e II (ou aquelas que as vierem substituir) em parcelamentos estilo “PERT” ou “REFIS” (superiores a 60 meses), e em regra estão proibidas a remissão e anistia que também eram comuns nestes programas de refinanciamento.

                Regra de transição expressa no artigo 32 da PEC 6/19 ressalva que o disposto no §11º acima referido “não se aplica aos parcelamentos previstos na legislação vigente à data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, sendo vedadas a reabertura ou a prorrogação de prazo para adesão”. Portanto, parcelamentos já existentes e ainda vigentes manterão suas regras, mesmo que prevejam prazos de parcelamento superior a 60 meses.

                Noutra seara, o texto da proposta original da PEC 6/19 vedava expressamente a utilização de prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa para quitação de contribuições ou compensação, bem como vedava a concessão de isenções ou redução de alíquota ou base de cálculo, exceto em hipóteses expressamente previstas na Constituição Federal. Estes dispositivos foram excluídos do texto-base por meio do substitutivo aprovado pela Comissão Especial da Reforma. Há notícia, ainda (divulgada pelo próprio sítio da Câmara), de existência de destaque, ainda a ser votado, visando eliminar do projeto a referida limitação para renegociação de dívidas previdenciárias em prazo superior a 60 meses.

                Por fim, como já é sabido, foi excluído do projeto pela Comissão Especial o artigo 201-A, que previa a instituição de novo regime de previdência social organizado com base em sistema de capitalização, que teria caráter obrigatório para quem a ele aderisse, com previsão de conta vinculada a cada trabalhador com constituição de reserva individual. Este regime traria impactos tributários para os aderentes, na forma de Lei Complementar que seria editada para regular a matéria. Entretanto, em se confirmando a eliminação deste regime diferenciado baseado em sistema de capitalização do texto da Reforma Previdenciária que venha ao final a ser aprovado em definitivo, a questão fica adiada para futura e incerta nova modificação da Previdência, por meio de novo PEC próprio que venha a tratar apenas do Regime de Capitalização.

ALTERAÇÕES NO ADCT – ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS

                O texto-base aprovado em primeiro turno pela Câmara traz também alterações no ADCT, dentre as quais destacamos as seguintes modificações.

                Na forma do artigo 8º do ADCT, os anistiados políticos passam a contribuir, sobre os valores que recebam a título de anistia, da mesma forma que for estabelecida para aposentados e pensionista do RPPS da União, sem prejuízo da cobrança de outras Contribuições Sociais que lhes sejam porventura exigidas, conforme novos parágrafos 6º a 7º:

ADCT – Art. 8º (…) § 6º O anistiado na forma prevista neste artigo e os seus dependentes contribuirão para a seguridade social por meio da aplicação de alíquota sobre o valor da reparação mensal de natureza econômica a que fizerem jus, na forma estabelecida para a contribuição de aposentado e pensionista do regime próprio de previdência social da União.

§ 7º A contribuição social de que trata o § 6º não elimina a cobrança das demais contribuições sociais exigidas dos segurados obrigatórios da previdência social.

ADICIONAIS REGRAS DE TRANSIÇÃO (além daquelas já referidas acima)

                O parágrafo único do artigo 31 da PEC 6/19 determina queO disposto no inciso I do § 2º do art. 149 da Constituição Federal não se aplica às contribuições sobre receita que, na data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, substituam a contribuição prevista na alínea “a” do inciso I do caput do art. 195”. O referido inciso I do §2º do artigo 149 da CF/88 prevê queAs contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I – não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação”. Daí decorre que a nova regra de transição contida no artigo 31 da PEC 6/2019 permitirá que as contribuições sobre receita que venham a substituir a contribuição prevista na alínea “a” do inciso I do caput do artigo 195 da CF/88 poderão incidir sobre receitas decorrentes de exportação.

                Por fim, o artigo 33 da PEC 6/19 determina que “até que entre em vigor lei que disponha sobre a alíquota da contribuição de que trata a Lei n° 7.689, de 15 de dezembro de 1988, incidente no caso das pessoas jurídicas de seguros privados, das de capitalização e das referidas nos incisos I a VII, X e XI do § 1º do art. 1º da Lei Complementar nº 105, de 10 de janeiro de 2001, esta será de vinte por cento”. Portanto, voltará a ser de 20% (vinte por cento) a alíquota da CSSL – Contribuição Social sobre o Lucro Líquido devida por algumas instituições financeiras e demais entidades a elas assemelhadas, que havia sido majorada pela Lei nº 13.169/2015 para 20% por tempo determinado (até 31/12/2018) e reduzida para 15% a partir de 01/01/2019.

                Estas, em nosso entender, são as modificações de caráter eminentemente tributário mais relevantes contidas na Reforma da Previdência na sua atual redação, ressalvando mais uma vez que a PEC 6/2019 depende de aprovação em segundo turno, votação de destaques e futura votação no Senado, com possibilidade de adicionais modificações, que poderão ser tratadas, se for o caso, em futuro artigo a respeito da matéria.

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